Naquela tépida madrugada ele entrou numa cabina telefónica. As suas ideias repousavam em sentimentos vários e um cão olhou-o do lancil por onde caminhava cautelosamente. Agora, procurava as fraternidades antigas. Ouviu o telefone e viu as folhas velhas das árvores em Setembro.
– Amo-te – disse.
– Bebeste outra vez. Por que não vais deitar-te? – disse a mulher.
– Amo-te – repetiu. – Bebi um pouco mas amo-te.
Começava sempre ao fim da tarde: um sentimento de inutilidade e de desconforto. Os acontecimentos ordenavam-se à medida do escalonar dos seus dilemas e beber era uma decorrência exacta: gostava de estar bêbado para ter a coragem de praticar actos resolutos. Agora, ao recusar ser cúmplice da solidariedade, os preceitos da moral revelavam-se-lhe difusos.
– Amas-me às quatro da manhã e completamente bêbado.
– Não quero ir para casa. Tenho medo da madrugada e de estar sozinho.
– E lembraste-te de mim por isso?
– E então lembrei-me de ti.
Baptista-Bastos in “O Passo da Serpente”, 3.ª ed., ASA, Porto, 2001