Raça de marinheiros que outra coisa vos chamar senhoras que com tanta dignidade à hora que o calor mais apertar coroadas de graça e majestade entrais pela água dentro e fazeis chichi no mar? Ruy Belo in "País Possível", Assírio & Alvim, Lisboa, 1973
Crianças

Dúvida
Aquela juventude, que só anda de phones nos ouvidos e olhos no telemóvel, quando chegar a velha terá memórias de quê?
Rotina versus inspiração
“Escritores empenhados escrevem sempre, inspirados ou não. Com o tempo, eles descobrem que a rotina é uma amiga melhor do que a inspiração.”
Ralph Keyes, escritor americano
Café Notre Dame
Uma espécie de trauma sexual prende um casal abismado Ele está segurando as duas mãos dela nas suas Ela está beijando as mãos dele Estão olhando-se nos olhos de muito perto Ela tem um casaco de peles feito duma centena de coelhos correndo Ele tem um casaco clássico sombrio e calças cinza-de-pardo Agora estão a examinar as palmas das mãos um do outro como se fossem mapas de Paris ou do mundo como se estivessem à procura do Metrô que os levasse juntos através dos caminhos subterrâneos através das «estações do desejo» até ao terminal do amor até às portas da cidade-luz É um caso sem saída e estão perdidos nas linhas cruzadas das suas palmas enlaçadas suas linhas de cabeça e linhas de coração suas linhas de sorte e linhas de vida ilegíveis e misturadas no mons veneris da sua paixão Lawrence Ferlinghetti in "A Boca da Verdade, Antologia Portuguesa", tradução de André e Isabelle Lima, 1986 (O poeta faleceu a 22/02/2021, aos 101 anos).
A estratégia
A direita está a utilizar as plataformas digitais para minar a estratégia do Governo quanto ao desconfinamento, tentando fazer com que ceda mais depressa a desconfinar. O número de infetados e internados voltará assim a subir, o que servirá para acusar depois o Governo de não ter mão no combate à pandemina..
kiyoshi-yamaguchi, fotógrafo

Festival RTP da Canção 2021
Ainda há quem veja e siga o Festival da Canção. E quem acredite que aquilo vale a pena. Não fosse tudo bastante mau, acresce ainda a piroseira do guarda-roupa dos concorrentes e seus pares. Um Festival que começou por ser realmente de canções em Portugal e em toda a Europa, deu nisto: uma espécie de pantomina, artes circenses, ou ginástica acrobática, sem desprestígio para estas que têm o seu lugar próprio, mas não num festival da canção. Letras, música, vozes, falhas de inspiração, aspiração e respiração. Como no filme Nha Fala do guineense Flora Gomes, quando apresentam a Vita a letra de uma canção pedindo a sua opinião, ela respondeu: “Deixava só as vírgulas”.
Mais pobres
Os melhores de todos nós, de toda uma geração, estão a deixar-nos. Todos os dias desaparece um. Sinto que não deixam continuadores do seu humanismo, da sua vontade de lutar, da sua inteligência, do seu saber. Não deixam continuadores porque entre o passado, ainda recente, e o agora, houve uma revolução. Revolução que, para o bem e para o mal, de algum modo alterou as mentalidades, criou outras realidades e modos de estar. Somos agora mais filhos da virtualidade, menos adeptos do companheirismo, da vizinhança, da amizade peito a peito. Não me interpretem mal. Mas estamos desconsoladamente mais pobres.